25 de abril de 2011

Dinâmica de encerramento: liberdade, liberdade.

Citei, em Arquivo68, outro blog que ajudo a editar, no post Das variações e limitações da memória 2, a peça teatral Liberdade, Liberdade, de Millor Fernandes e Flávio Rangel.

Dela, duas cenas me acompanham ainda hoje: a primeira e a última. Na primeira montagem da peça, em um momento da primeira cena, Paulo Autran diz:

“Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a sua vida à humanidade e à paixão existentes nesses metros de tablado, esse é um homem de teatro. Nós achamos que é preciso cantar (no fundo, os acordes da Marcha da Quarta-feira de Cinzas). Por isso

‘Operário do canto, me apresento

sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,

minha alma limpa, a face descoberta,

aberto o peito, e – expresso documento –

a palavra conforme o pensamento.

Fui chamado a cantar e para tanto

há um mar de som no búzio de meu canto.

Trabalho à noite e sem revezamentos.

Se há mais quem cante cantaremos juntos;

sem se tornar com isso menos pura,

a voz sobe uma oitava na mistura.

Não canto onde não seja a boca livre,

onde não haja ouvidos limpos e almas

afeitas a escutar sem preconceito.

Para enganar o tempo – ou distrair

criaturas já de si tão mal atentas,

não canto.

Canto apenas quando dança,

nos olhos dos que me ouvem, a esperança.”

Os versos são um excerto de Profissão do Poeta, poema de Geir Campos.

Acredito que se possa dizer da tarefa de educar o mesmo que é dito em Liberdade, Liberdade a respeito do ator e, no poema, do poeta. Até hoje, quando vou iniciar um curso, repito mentalmente as palavras: “Operário do canto…”. É, para mim, também sempre presente uma analogia entre a sala de aula e “os poucos metros de tablado” e as conseqüências similares de uma vida dedicada, com paixão, a esses particulares espaços de ação.

A cena final de Liberdade, Liberdade também é marcante. Dela, fiz uma adaptação para fins didáticos. Uso essa adaptação como uma cerimônia de conclusão de curso. Ela está reproduzida a seguir.

Começo dizendo:

 
“A última palavra é a palavra do poeta; a última palavra é a que fica.
 
A última palavra de Hamlet:
O resto é silêncio.
 
A última palavra de Júlio César:
Até tu, Brutus?
 
A última palavra de Jesus Cristo:
Meu pai, meu pai, por que me abandonaste?
 
A última palavra de Goethe:
Mais luz!
 
A última palavra de Booth, assassino de Lincoln:
Inútil, inútil…
 
E a última palavra de Prometeu:
Resisto!”
 
A última palavra de Y (nome de um participante).
 
O participante diz sua última palavra.
 
A última palavra de X (nome de outro participante). A cena anterior se repete, com X dizendo sua última palavra.
 
A última palavra de N (nome do último participante). A cena se repete.
 
Por fim, digo a minha última palavra e encerro o curso.
 
 Até a última palavra de Prometeu, o texto é de Liberdade Liberdade.

Não é em todo o final de curso que promovo essa cerimônia de encerramento. Reservo-a para aqueles cursos que efetivamente foram espaço para vivências profundas e oportunidade de aprendizagens muito significativas. Não sei se por isso ou pela força da cena, o momento é sempre emocionante. Tão emocionante quanto foi viver a cena final, quando a assisti pela primeira vez.

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