Com este post iniciamos uma nova categoria: textos de amigos e de leitores.
Começamos com um texto de um amigo: Rodolpho Rocha, cujas referências estão na nota 1.
Por Rodolpho Rocha[1]
Nunca se escreveu tanto, nunca se produziu tantas elucubrações sobre o tempo, sua importância, como usá-lo, como se tornar mais feliz dele se apropriando.
O que antes parecia ser preocupação dos poetas, compositores populares e filósofos pré-socráticos, hoje invadiu o erudito mundo dos negócios. Daí essa intensa “manifestação cultural” que, de forma mais oportunista que ingênua, nos apresentam receitas e recomendações para a conquista da felicidade neoliberal.
“Gestão do Tempo”, “Maximização do Tempo”, “Otimização do Tempo”, “Produtividade Pessoal”, são alguns dos títulos de livros ou de workshops que demonstram nossa conversão a esse tão disciplinado e eficiente ramo do conhecimento humano.
Em contraponto a esse ciclo de modernidade, segue o texto abaixo elaborado após entrevista com membro dissidente do movimento[2].
Tempo você não investe.
Tempo você não resgata.
Tempo você não empresta.
Tempo não se desperdiça.
Tampouco se recupera.
Tempo nunca foi dinheiro,
(pois se o fosse, os Bancos dele se apropriariam e,
generosamente, o venderiam para nós com juros obscenos).
Tempo você não acumula,
porque não se pode ser guardado.
Tempo não passa, não vai, nem fica,
porque não é bloco de Carnaval,
nem catapora, nem propaganda gratuita de TV.
Tempo nunca se esgota,
o que acaba é apenas a areia fina
que um idiota desocupado
despejou num vidro de cintura fina e o chamou de ampulheta,
não sabendo o que fazer com o tamanho do seu tédio e o vazio da sua solidão.
Tempo não pode ser gerido,
porque você não é seu dono.
Tempo não pode ser absorvido,
porque não há estoque de toalha de papel disponível.
Tempo não pode ser curtido,
porque não é picles exibido em gôndola de supermercado.
Tempo não passa lentamente.
Tempo não voa tão depressa,
porque não é passarinho, não come alpiste, nem caga na sua desatenta cabeça globalizada.
Ninguém consome tempo,
nem por ele é consumido,
porque tempo não é alimento, não engorda, não provoca gases nem é distribuído em cestas básicas.
Tempo não cura porra nenhuma!
E nem faz parte do receituário farmacológico nacional (incluindo genéricos).
Tempo não acaba com sua dor de corno,
e nem apaga as cagadas que você cometeu.
Foi você, com sua sabedoria quase desconhecida
que guardou toda essa dor, toda essa ira
no lugar certo, dando-lhe o seu verdadeiro tamanho e significado.
E agora torna esses eventos quase bonitos
posto que é só lembrança.
Mas o tempo não tem nada a ver com isso!
Portanto, se você quer aprender sobre o tempo
fale com os malucos que nunca
acreditaram na divisão passado-presente-futuro que quiseram lhe impingir.
Ou fale com os preguiçosos,
que quase por reverência (ou por inércia)
não explicam o tempo, nem pensam em dominá-lo,
sabiamente, a ele se entregam!
[1] Notas sobre o autor: Rodolpho Rocha é consultor de empresas e vê com muita seriedade as questões relacionadas à administração e uso do tempo. Faz questão de destacar que o texto quase-poema não reflete sua posição pessoal, porque ele não sabe se a tem. A história é fictícia, o personagem é fictício, o congresso também o é. Só é verdadeira a morena e seu sorriso escancarado, assim como a praia deserta no litoral baiano que o brancaleônico exército dos ambientalistas insiste em preservar.
[2] Notas sobre o personagem: O personagem em questão era renomado palestrante de seminários internacionais sobre Administração do Tempo e não raras vezes aparecia em capas de revistas especializadas. Ocorre que num grande evento em São Paulo, onde faria a conferência magna, não apareceu: estava em ótima e sorridente companhia numa praia deserta no litoral baiano. Foi injuriado, foi processado, perdeu muito dinheiro, perdeu todo prestígio conquistado. Mas não se arrependeu nem um pouco da decisão tomada e hoje encanta turistas que compram suas peças de artesanato e ficam deslumbrados com o seu inglês tão fluente.
2 Comentários
Essa frase resume bem tudo: “Ou fale com os preguiçosos, que quase por reverência (ou por inércia) não explicam o tempo, nem pensam em dominá-lo, sabiamente, a ele se entregam!”
Talvez um dos problemas da sociedade atual é tentar entender e, sobretudo, dominar o tempo. Não seria bem mais fácil se entregar a ele?
Gostei muito do blog, já que o assunto gestão do conhecimento me interessa muito. Além disso, o layout é muito bonito e as informações estão com fácil acesso. Parabéns!
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Abraços,