28 de janeiro de 2014

Reconquistar a cidade pela educação

Cesar Callegari – Folha de São Paulo – 28/01/2014 – São Paulo, SP

São Paulo completou 460 anos. Mas aqui, como em toda parte no Brasil, podemos dizer que as fichas dos valores propriamente urbanos acabam de cair ou ainda estão caindo.

Do ponto de vista histórico, acabamos de chegar às cidades e ainda estamos aprendendo a viver nelas. De fato, faz pouquíssimo tempo, pouco mais do que 40 anos, que a população brasileira passou a viver majoritariamente em centros urbanos. Em 1960, 55% dos brasileiros viviam no meio rural e em seus núcleos. No ano 2010, 84% do povo já habitava o meio urbano. Viver a cidade é algo muito recente em nosso país.

Nos grandes centros como São Paulo, é mais fácil encontrar pessoas que pertencem a famílias que vieram de fora do que àquelas de habitantes mais antigos. Muita gente veio para vencer na vida a qualquer custo. Para alguns, ainda é como se as cidades fossem território de conquista, terra de ninguém, que podem ser maltratadas e que não há obrigações para com elas. Nesse contexto urbano-industrial-midiático, as pessoas ainda estão descobrindo, conhecendo e explorando códigos e valores próprios de uma grande novidade, um processo que normalmente exigiria tempo e esforço de várias gerações.

As vistosas manifestações que a partir de junho de 2013 sacudiram as ruas do país são, aliás, um exemplo recente dessa experimentação e aprendizado coletivo.

A cidade muda e continuará mudando em ritmo vertiginoso, deixando de ser lugar para se constituir em território de fluxos. Ela se cria e recria o tempo todo, inclui e exclui, de modo que tudo que o dela se sabe e se tem é pouco, provisório e inacabado. É vir a ser. Nesse quadro, a pergunta é: que tipo de educação poderá proporcionar aos cidadãos a capacidade de compreender a natureza desses movimentos e capacitá-los como protagonistas de sua história? Queremos uma educação meramente instrumental e utilitária que reforce a capacidade individual das pessoas para competir, vencer e derrotar, ou uma educação libertadora baseada nos valores éticos de uma cidadania que respeita o bem comum?

O desafio está posto não só para a educação escolar, onde São Paulo agora inova com um projeto que preconiza a autoria coletiva e criativa do ensino e da aprendizagem com foco em projetos de intervenção social. Também a conduta das instituições e as atitudes das pessoas contém um forte potencial educativo para reconquistar tudo aquilo de coletivo e público que por muito tempo se privatizou.

A educação necessita dar conta do passado e do futuro. E precisa ser criativa e ousada sobre o tempo presente. Ser capaz de revelar o que é realidade, fetiche ou miragem, desenvolvendo no cidadão o espírito crítico sobre o martelar incessante dos apelos da indústria cultural. Se nossas cidades são habitadas por conquistadores urbanos para quem, afinal, tudo ainda pode dar certo, a grande tarefa é, através da educação, dar sentido coletivo, humanista e solidário a essa energia imensa, embora muito fragmentada e atomizada.

A educação pode transformar a própria estrutura da sociedade: converter seres isolados, competitivos, invisíveis e, por vezes, excessivamente individualistas, em cidadãos conscientes de sua singularidade, de seus direitos e seus deveres, visíveis, generosos, participativos, autores e protagonistas de seu presente e de seu futuro. O valor do progresso não mais como objetivo exclusivamente particular, mas como a melhor materialização de uma obra de todos. Nesse sentido a educação não pode ser apenas um meio, mas a finalidade maior. Por isso, cidades educadoras devem ser o objetivo mesmo da obra civilizatória na contemporaneidade.

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