28 de agosto de 2013

A escola e a cidade

 

Frederico Guimarães – Revista Educação – 27/08/2013 – São Paulo, SP

O bonde avança pela avenida Paulista repleto de trabalhadores e estudantes. Entre a catraca e a porta, do lado esquerdo do coletivo, se levanta um rapaz franzino, cujo rosto desfigurado ninguém reconhece na foto. O personagem perdido no tempo está em um arquivo raro de 146 anos do Colégio São Luís, um dos mais tradicionais da cidade de São Paulo. Localizada no bairro da Consolação, na região da Paulista, a escola particular está hoje imersa entre bancos, cinemas e 3,8 milhões de automóveis, que segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) circulam todos os dias no maior centro empresarial do país.

A falta de integração entre a visão de quem constrói a escola e a de quem administra o espaço público da cidade é o principal impasse na hora de desenvolver projetos urbanísticos voltados para a educação, defendem especialistas.Cada vez mais, o tema tem sido discutido por arquitetos, professores e gestores que se deparam com o alto número de estudantes e a falta de espaço físico para a construção de novos prédios. Além disso, a questão da mobilidade se torna cada vez mais urgente nos principais centros urbanos do país, como se constatou na série de manifestações que durante quase todo o último mês de junho levaram estudantes, professores e trabalhadores às ruas para reivindicar mudanças nas políticas públicas e culminaram com a redução da passagem de ônibus em mais de 100 munícipios.

Desde a década de 1990, a escola é considerada ator prioritário nesse debate, quando foi concebida, em Barcelona, na Espanha, a ideia das `Cidades Educadoras`. A proposta, adotada em mais de 30 países em quatro continentes, é a de que a cidade desenvolva a educação como prioridade e a partir daí pense a questão das ruas, habitação, mobilidade, transporte e infraestrutura. Seja nos centros urbanos ou na periferia, em muitos locais a educação tem sido responsável por remodelar cidades, conceitos e novas perspectivas que podem influenciar também no desenvolvimento do ensino, apesar dos claros desafios que ainda enfrenta no caso brasileiro.

Ponto de partida

`A escola é o elemento aglutinador da população. Às vezes, é o único onde as famílias podem se relacionar para resolver problemas da vida das crianças. Na capilaridade de todos os equipamentos e serviços prestados pela população, o único local que é um local fixo é a escola`, ressalta a urbanista e professora doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Rosana Helena Miranda, que foi com os filhos para as ruas de São Paulo durante as manifestações de junho.

Quando visitou a Holanda, no ano 2000, Rosana ficou impressionada com a relação que uma escola de Roterdã estabelecia com a cidade. Pais, alunos e professores montaram uma mesa com moradores para celebrar um jantar a céu aberto no meio da rua. A viagem, que durou cerca de quatro meses, serviu como ponto de partida para pensar a questão da educação e do espaço urbano, temas que sempre estiveram presentes em sua carreira. Depois de 27 anos trabalhando para a prefeitura de São Paulo, atualmente a professora estuda mapas que revelam as modificações sofridas nos bairros a partir da implantação das escolas, ainda sem conclusões definitivas.

Seus anos de experiência, porém, mostram as dificuldades em estabalecer projetos urbanísticos que tomem a escola como ponto de partida. `A visão de que todo espaço é pedagógico ainda está muito marginal dentro da visão de política pública. O projeto educacional está num caminho, mas o projeto urbanístico está em paralelo`, ressalta.

Bia Goulart, arquiteta e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda. `Ás vezes, o profissional até tem vontade, mas há dificuldade de trabalhar coletivamente uma política intersetorial. É cada um no seu quadrado. Um secretário quer aparecer mais que o outro. É uma pressa de construir`, revela.

Bairros educadores

Algumas experiências, porém, têm tentado dar conta desses desafios. No Brasil, a ONG Aprendiz aderiu ao modelo da Cidade Educadora para tentar disseminar junto à comunidade a ideia do `bairro-escola` na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. A socióloga Helena Singer e a psicóloga Natacha Costa estão à frente do projeto. Nos becos das ruas e nas vielas abandonadas, elas resolveram apoiar intervenções artísticas de estudantes de escolas da região. `Com as ações de ressignificar os muros houve uma retomada dos becos pela comunidade e a Vila Madalena passou a ser uma referência do grafite para a cidade`, diz Helena. Ela acredita que as atividades são uma forma de levar os alunos para fora das salas de aula e ao mesmo tempo dar uma outra cara ao bairro. O sonho de um `bairro educador` ainda está longe de virar realidade, mas a iniciativa serviu para influenciar outros projetos pelo país.

Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o governo municipal quis articular a proposta do `bairro-escola` para um município com altos índices de violência e com mais de 700 mil habitantes. Bia Goulart, da UFRJ, fez parte da equipe da prefeitura que coordenou os trabalhos na região entre os anos de 2004 e 2010. Segundo ela, existe um conflito estabelecido. `Quem está dentro da escola costuma falar mal da cidade e do mundo lá fora e quem está lá fora critica a escola.` Para ela, um problema grave é a escola se construir isolada do mundo. `Quando os meninos de Nova Iguaçu saem para estudar o lixo e alertam o prefeito de que esse lixo pode ser útil para uma praça, a escola passa a ser responsável. Acho que essa intervenção urbana que a escola faz e deixa a cidade mais bonita é a grande sacada.`

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