15 de abril de 2009

Arquitetura escolar e indução pedagógica

 

Uma escola do ano 2000, imaginada em 1910. Muda a tecnologia, mas não a visão de educação.

Para iniciar a minha participação na blogagem coletiva Arquitetura e Educação, proposta pelo meu amigo e professor Jarbas Novelino Barato, em Boteco Escola, vasculhei os livros sobre educação que tenho reunido nos últimos 25 anos. Neles, o tema não é tratado. Há uma única exceção. Trata-se do livro A Formação de Adultos, de Roger Mucchielli (São Paulo, Martins Fontes, 1981). O livro dedica menos de duas páginas ao tema (p.143-144).

 

Embora viciada, a amostra é exemplar de como o assunto tem sido pouco explorado. Reforça também a importância da blogagem coletiva proposta por Jarbas e a necessidade de se colocar as relações entre arquitetura e educação na agenda das discussões educacionais. Penso que essa discussão deveria estar presente, no mínimo, no interior do atual movimento de expansão da rede de escolas dedicadas ao ensino técnico e tecnológico (clique aqui).

 

Como a pesquisa em minha biblioteca resultou pobre, não tenho como construir um texto a partir das contribuições dela decorrentes. Assim, publico sem modificações o pouco que encontrei. O texto, extraído do livro de Mucchielli, é postado a seguir. As ilustrações foram incluídas por mim.

 

 

A Indução em Situações Pedagógicas

 

N. B. – A palavra indução é aqui empregada no sentido psicológico de determinação-provocação de um tipo de resposta ou de reação.

 

  • Indução devida ao dispositivo espacial e arquitetural. Aqui mesmo, nesta sessão, eu faço uma exposição sobre a situação pedagógica. Vocês estão diante de mim numa sala de aula. Ao entrar, vocês ocuparam os lugares de ouvintes e eu ocupei o estrado de conferencista. Esta disposição das mesas e do estrado, com nossos respectivos nomes bem visíveis, induzia por si mesma a situação pedagógica tradicional, a do Magister desenvolvendo suas idéias diante de um auditório supostamente atento. Induzia a situação de informação-espetáculo.

 

Desde o início, pelo simples fato de cedermos quase que automaticamente à sugestão do dispositivo, o comportamento de vocês e o meu já estavam determinados. Suas aspirações tomavam forma, meu papel já estava traçado de antemão.

 

Já tivemos ocasião de ver e avaliar as conseqüências do sistema.

 

Esse fenômeno começa a ser suficientemente conhecido, de modo que os organizadores evitam a topografia da classe tradicional e colocam os participantes em círculo, mantendo, ao mesmo tempo, o princípio da exposição do mestre. Eu próprio já vi dispositivos em retângulo, em torno do qual deviam colocar-se os ouvintes, o que lhes causava torcicolo. Mas a disposição em círculo é indutora; a em retângulo também; assim como a forma geral da sala e, em volta dela, a arquitetura, seja qual for…

 

Da mesma forma que o dispositivo de anfiteatro universitário induz o curso professoral e tende a ser obstáculo às interações, assim o dispositivo em círculo favorece as interações e é um obstáculo ao curso professoral, ao passo que o dispositivo retangular favorece o diálogo dos subgrupos vizinhos e impede as verdadeiras interações. Assim, prever um dispositivo em U, com o conferencista na curva do U, é menos favorável que os arcos concêntricos, caso se queira fazer uma exposição; e este dispositivo em arcos concêntricos destrói toda a eficácia de uma discussão, no decorrer da qual o animador deseje suscitar interações.

 

É preciso, portanto, ajustar, pelo menos, as intenções do formador e as induções do dispositivo, não hesitando em mudar o dispositivo espacial conforme os diversos momentos de um seminário (ou mudar de sala, cada uma delas tendo uma disposição e uma arquitetura “funcional”, isto é, adaptada à situação pedagógica intencionalmente procurada).

 

Por outro lado, o dispositivo, tal qual é preparado a priori, implica a previsão de um número de participantes. Sabemos que o número, por sua vez, é indutor de fenômenos psicossociais e inibidores de outros fenômenos; por exemplo, um grupo de mais de oito ou dez pessoas não pode discutir eficazmente (com a participação de todos) num tempo limitado de uma hora e trinta ou duas horas (isto até mesmo quando coordenado por um método adaptado).

 

N. B. – Refletir sobre as induções topográficas é uma primeira e essencial medida a ser tomada pelo pedagogo. Da mesma forma que um grupo de trabalho em discussão só pode funcionar se o dispositivo for circular, se o número for reduzido e se não houver tensões internas, assim também uma comissão oficial de 25 pessoas, colocadas em torno de mesas formando um retângulo alongado, não pode absolutamente entabular uma discussão criadora, ou mesmo simplesmente eficaz (utilizando as interações de todos os participantes), seja qual for o tempo de que dispõe e sejam quais forem as competências de seus membros. Os hábitos sociais levam então a recorrer à estruturação autoritária (graças à qual seis ou sete participantes têm um status social diferente para participar, enquanto os demais formam o público) e a procedimentos rígidos de “decisão de grupo” (o voto ponto por ponto, por exemplo).

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2 Comentários

  1. Quero agradecer ao Carlos Seabra (http://cseabra.wordpress.com/) o acesso à primeira ilustração do post. Estava iniciando o processo de busca das imagens quando recebi uma mensagem de Carlos indicando o site http://paleo-future.blogspot.com/2007/09/french-prints-show-year-2000-1910.html – O ano de 2000 em ilustrações de 1910. Lá encontrei a ilustração da escola de 2000 imaginada com o olhar daquele tempo.

    Só a ilustração merecia um post e mais uma contribuição à blogagem coletiva. Observem que, sem necessidade nenhuma, o dispositivo em auditório é mantido.

    Chego a pensar que o ilustrador manteve a fila de mesinhas como uma forma gráfica de representar a escola. Sem filas de alunos sentados, um atrás do outro, como representar a escola?

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