Pedro Ribeiro Nogueira – Portal Aprendiz – 15/03/2016 – São Paulo, SP
Em uma escadaria na área externa da sede do Museu da Cidade, uma banda composta por professores cantava para uma plateia igualmente docente. Era sábado de manhã, nos arredores do Páteo do Colégio, bem ali onde a cidade de São Paulo foi fundada. Foi nesse espaço que teve início um curso que busca, no reencontro do urbano com o educativo, uma potência para o aprender. Ou, como resumiu Braz Nogueira, uma iniciativa que quer “reforçar a crença de que é possível transformar a nossa cidade e as nossas comunidades, por meio da educação, em espaços de vida”.
Braz participou da abertura da formação “Potenciais Educativos do Território Urbano: rumo à Cidade Educadora”, elaborada ao longo de meses de encontros entre escolas, museus, organizações da sociedade civil, coletivos e a Diretoria Regional de Educação Ipiranga, coordenada por ele. Antes de assumir o cargo, Braz foi diretor da EMEF Campos Salles, em Heliópolis, uma escola pública que transformou sua realidade e a de seu território ao assumir o papel de liderança comunitária, derrubar as paredes da sala de aula e os muros que a separavam do mundo.
“Eu acredito que podemos transformar socialmente a educação. Que a escola tem que se abrir para a vida. Que, se nós levarmos isso adiante, teremos como resultado uma sociedade democrática, justa, autônoma e solidária. A escola que se vê como centro de liderança caminha para isso. E uma educação integral amplia a capacidade dela em exercer esse papel junto ao bairro”, defendeu.
Para ele, a proposta de uma Cidade Educadora implica em um novo projeto de sociedade, no qual sujeitos, tempos e espaços – que foram artificialmente apartados – são reconectados, criando condições para o desenvolvimento de seus habitantes. Ou, como definiu Natacha Costa, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, trata-se de defender a educação como um projeto de país que precisa ser construído coletivamente.
Exemplificando essa hipótese, Natacha lembrou da experiência do Bairro-escola, levado adiante pelo Aprendiz há mais de dez anos na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. Ao longo do processo, a organização percebeu que não daria conta do infinito interesse dos jovens que atendia. “Nós vimos que, ao nosso lado, tínhamos uma escola de circo, um espaço de dança, um museu. E que era muito mais interessante articular essas diferentes oportunidades educativas do que tentar sanar todas necessidades por conta própria, como uma instituição total.”
Educação versus Escolarização
Natacha ressaltou ainda a importância de se diferenciar “educação” de “escolarização”. De acordo com ela, embora o desenvolvimento histórico das escolas tenha lhes conferido o monopólio do processo educativo, aprender é um fenômeno humano que se dá de forma permanente, ao longo da vida. ”E o conceito de Cidades Educadoras assume que é na cidade, não importando suas características, que isso se dá”, acrescentou.
Essa fragmentação gerou ainda, segundo Natacha, a hiper valorização dos conhecimentos acadêmicos, sistematizados pela humanidade, em detrimento dos saberes locais e comunitários. “Dentro da escola, uma das consequências dessa visão é deixarmos de reconhecer o estudante como um sujeito que sabe, algo que precisa ser revertido urgentemente.”
Ana Maria Wilheim, socióloga que estudou a formação de Barcelona como Cidade Educadora, retomou a redemocratização da Espanha e o movimento realizado pelos catalães em torno de uma “visão de futuro compartilhado”. “Quando estamos trabalhando com desenvolvimento de um ser, estamos sempre colocando a perspectiva de futuro, de atores diversos em ação pensando juntos onde querem chegar. Não é só a escola olhando para o território como algo útil. É reconhecendo seu papel como mediador e interferindo até no desenho da cidade.”
Cidade e escola
Nesse processo, tanto a cidade quanto a escola, teriam muito a ganhar. É o que defendeu a urbanista e educadora Beatriz Goulart, citando o geógrafo Milton Santos que já alertava para o fato de que nossas cidades estão cada vez mais “estranhas” aos seus habitantes. “Estamos nos desresponsabilizando pelo mundo”, afirmou Goulart.
Uma maneira de superar esse distanciamento seria entendendo a cidade como nosso quintal e nos aproximando dela como criança. “A criança quando brinca faz comunhão. Então vamos pensar num espaço urbano onde isso seja possível para todos os corpos. Temos que acreditar naquilo que fazemos com nossas mãos.”
Nessa perspectiva, Beatriz acredita que é hora de “buscar novas práticas ocupantes” da cidade e da escola. “A escola não é um prédio. Ela é um conjunto de relações. Chega de inaugurar escola com refeitório, sala de aula e banho de sol. Isso é um presídio. Vamos desenhar o bairro e voltar para redesenhar a escola”, finalizou.