Dias atrás, por curiosidade, folheei algumas páginas do livro Jonathan Strange and Mr. Morrel, de Susanna Clarke (São Paulo, Companhia das Letras, 2005), que minha filha estava lendo. A página inicial me despertou a atenção. Ali se lia:
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A biblioteca de Hurtfew
Outono de 1806 – janeiro de 1807
Alguns anos atrás, na cidade de York, existia uma sociedade de magos. Eles se reuniam na terceira quarta-feira de cada mês e liam ensaios longos e enfadonhos sobre a história da magia inglesa.
Eram magos cavalheiros. Ou seja, nunca fizeram mal a ninguém por meio da magia, nem por meio dela jamais fizeram algum bem. De fato, para falar a verdade, nenhum deles nunca recorreu ao menor encantamento, nem por meio da magia jamais fez uma folha de árvore tremular, nunca alterou o curso de uma partícula de pó ou mudou um só fio de cabelo da cabeça de alguém. Porém, feita essa pequena ressalva, os magos tinham a reputação de ser os cavalheiros mais sábios e mais mágicos do condado de York.
Referindo-se à profissão, um grande mago afirmou que os que a exercem “devem se esforçar e dar tratos à bola para aprender alguma coisa, mas entre eles a desavença é sempre muito natural”, e os magos de York comprovaram a verdade disso ao longo de muitos anos.
No outono de 1806, acolheram um novo membro, um cavalheiro de nome John Segundus. Na primeira reunião que ele participou, Mr. Segundus se levantou e proferiu um discurso ante a sociedade. Começou por congratular os cavalheiros pela história notável que tinham; enumerou os muitos magos e historiadores renomados que em diferentes períodos pertenceram à sociedade de York. Deu a entender que saber da existência de tal sociedade fora um grande estímulo para ir até York. Os magos do Norte, lembrou ele ao público, sempre haviam sido mais respeitados do que os do sul. Mr. Segundus disse que estudara magia durante anos a fio e conhecia a história de todos os grandes magos do passado. Lera as novas publicações sobre o assunto e até fizera uma modesta contribuição para a proliferação delas, mas recentemente começara a se perguntar por que os grandes feitos de magia sobre os quais lera permaneciam nas páginas do livro que escrevera e já não eram vistos nas ruas nem noticiados nos jornais. Mr. Segundus disse que gostaria de saber por que os magos modernos não eram capazes de praticar a magia sobre a qual escreviam. Em resumo, desejava saber por que não se fazia mais magia na Inglaterra.
Era a pergunta mais banal do mundo. Era a pergunta que, cedo ou tarde, qualquer criança no reino faria à governanta, ao professor ou aos pais. Entretanto, os cultos integrantes da Sociedade de York não gostavam nem um pouco de ouvi-la, porque estavam incapacitados para respondê-la quanto qualquer outra pessoa.
O presidente da Sociedade de York (cujo nome era Dr. Foxcastle) dirigiu-se a John Segundus e explicou que aquela era uma pergunta equivocada.
– Ela pressupõe que o mago tem uma espécie de dever de praticar a magia, o que, claro, é um disparate. Creio que o senhor não sugeriria que a tarefa do botânico fosse criar mais flores. Ou que o astrônomo devesse reorganizar as estrelas. O mago, meu senhor, estuda a magia praticada muito tempo atrás. Por que esperar dele mais do que isso?
Por muitos motivos, a Sociedade de Magos de York me lembrou a nossa escola. Todos “devem se esforçar e dar tratos à bola para aprender alguma coisa“. Não se pratica nada do que se ensina. O aluno também “estuda a magia praticada muito tempo atrás“. “Por que se esperar dele mais do que isso“?
2 Comentários
Para mim, a pergunta foi clara. Depois da resposta, a pergunta se tornou ainda mais iluminada.
A diferença, é que faz a sabedoria
que a reflexão no pensar seja sempre minha espada
mais um passoe e aki estou….