Isabela Vieira – Agência Brasil – 02/12/2015 – Brasília, DF
Diretor por mais de 20 anos de uma escola pública de referência internacional em uma das maiores favelas de São Paulo, o professor Braz Rodrigues Nogueira dedicou a vida a propor alternativas ao atual modelo de ensino. Na Escola Municipal Campos Salles, em Heliópolis, ele ampliou a relação com a comunidade, acabou com as salas de aula, colocando os alunos para estudar juntos, transformou o professor em “facilitador” e criou um modelo de gestão em que estudantes, funcionários e professores, na mesma proporção, dão as ordens e resolvem conflitos.
Nogueira analisa o protagonismo dos alunos no movimento de ocupação de colégios, iniciado há cerca de 20 dias, contra a proposta de reorganização escolar do governador Geraldo Alckmin, que prevê o fechamento de unidades de ensino. De acordo com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo, 193 escolas estaduais estão ocupadas por alunos. Na sexta-feira passada (27), a prefeitura de Sorocaba deu a primeira decisão para reintegração de posse de 17 escolas na cidade.
Antes, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por entender que o movimento é legítimo, determinou que o governo insistisse no diálogo. “Ademais, (…) se constata a ocorrência de atividades culturais, o que é muito positivo para o debate e para o aperfeiçoamento intelectual da comunidade”, afirmou o desembargador Sérgio Coimbra Schmidt, em sua decisão.
Em entrevista concedida à Agência Brasil, Braz Rodrigues observa que a sociedade está mudando e acredita que movimentos contestatórios vão emergir com mais frequência. Nos últimos anos, `foi gestado um novo cidadão ativo e participante”, disse.
Agência Brasil: Em sua opinião, por que os alunos resolveram organizar ocupações contra a “reorganização” do ensino?
Braz Rodrigues Nogueira: Isso é um fato novo. Enquanto educador, fico bastante feliz, bastante alegre. Isso vem comprovar que crianças, pré-adolescentes, adolescentes e jovens são seres competentes e têm que ser protagonistas. A primeira coisa que o governo tinha que ter feito era ter consultado essas crianças, esses adolescentes, esses jovens e isso não foi feito. Não está claro o que é está por trás [da proposta do governo], se é economia de recursos ou decisão de gestão.
Agência Brasil: O que poderia ter sido feito?
Nogueira: Acho que tinha que ter sido conversado com os diretores das escolas e os diretores promoverem discussão na comunidade escolar, com a participação dos alunos, com a participação dos pais. A educação de qualidade tem que ser uma demanda social, de todos. A educação não pode ser só dentro da escola e a escola já entendeu isso, ela não dá conta do monopólio da educação.
Agência Brasil: Que consequências a reorganização das escolas pode trazer?
Nogueira: Eu vejo que o governo do estado teve uma avaliação equivocada dos problemas. Enquanto temos educadores lutando para misturar as idades dentro da escola, para os alunos trabalharem juntos, com idades diferentes, o que está se fazendo é uma reorganização para separar, para ficar escolas de 1ª a 4ª série, de 5ª a 8ª série e de ensino médio. Mas a mistura é importante porque a vida é assim. As crianças não devem estar isoladas dos adolescentes, dos jovens. Na Campo Salles, é interessante porque é uma escola de ensino fundamental, e os alunos [mais novos] votavam nos maiores [para o conselho escolar] porque os menores admiravam os pré-adolescentes, os adolescentes. Para prefeito [do conselho escolar], sempre ganhavam os alunos mais velhos. Curiosamente, este ano, ganhou uma menina da 4ª série, pequenininha.
Agência Brasil: As escolas permanecem ocupadas. O que podemos esperar daqui para a frente?
Nogueira: Esse movimento pode ser um marco. As manifestações de 2013 ficaram um pouco [de lado]. Agora, pode ser [diferente]. Tenho uma hipótese e estou muito entusiasmado. O Brasil ficou 21 anos sob ditadura. A gente vê que nos últimos anos foi gestado um novo cidadão: ativo e participante [na sociedade]. Eu vejo os olhos dos jovens brilhando quando eles visitam a Campos Salles. Daqui para a frente, vamos ver uma explosão de manifestações no país, apesar dos setores conservadores.
Agência Brasil: Que medidas poderiam ser propostas em vez da reorganização e do fechamento de escolas?
Nogueira: Acho que as secretarias de Educação e os ministérios públicos tinham que detectar experiências positivas, diferentes – onde o professor está se realizando como profissional, onde o aluno está participando e se sente parte integrante – e articular tudo isso. Deixar nascer outro sistema, em outras bases, até desaparecer o sistema que está aí e que não resolve mais.
Agência Brasil: Qual o papel da comunidade nisso?
Nogueira: Se as escolas fossem da comunidade, se fossem também para as atividades da comunidade, esse desfecho [da ocupação] seria outro, totalmente diferente. Talvez, os alunos não precisassem ter ocupado. [É preciso] chamar os pais para dentro da escola – o que não significa ir para sacralizar as práticas da escola. A escola já deveria estar inserida dentro da comunidade, com os professores e a direção participando das atividades, abertos. Se tivesse isso [participação ativa da comunidade na escola], nenhuma coisa que vem de cima passaria.
Braz Rodrigues Nogueira se afastou da direção da Escola Campos Salles há seis meses, depois de 20 anos no cargo de diretor. Em 2002, depois que 21 computadores da escola foram roubados, ele bateu de porta em porta nas residências de Heliópolis, para conscientizar os moradores sobre a importância dos equipamentos na educação das crianças. Três dias depois, uma surpresa: todos os equipamentos haviam sido devolvidos. No mesmo período, com o apoio da comunidade, decidiu que as escolas não fechariam à noite e ficariam abertas para uso de todos, para lazer ou para estudo. Na época, prevalecia o toque de recolher imposto pelos traficantes de drogas da região.
Hoje, o professor atua na diretoria regional da Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo, por onde já passou durante a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy