28 de setembro de 2010

O uso do vídeo na educação – Uma segunda chance

Um filme denominado Uma segunda chance pode ser usado para discutir a dinâmica das funções conscietes de Jung : pensamento, sentimento, percepção e intuição. O filme  é um exemplo do processo de integração da função inferior ao conjunto das funções concientes da psiquê .

No início da história, um brilhante advogado é retratado. A própria natureza da atividade do personagem indica o uso da função pensamento como função superior. No retrato do cotidiano, o advogado é mostrado como uma pessoa fria e distante. O trabalho deixa pouco espaço para a relação familiar. A sua relação com o outro é utilitária e não consegue expressar os seus sentimentos para ninguém, nem para a esposa ou a filha. Não parece ter uma vida feliz.

Ao comprar cigarros em estabelecimento comercial que está sendo assaltado, o advogado é ferido gravemente na cabeça. O tiro afeta o cérebro e o faz perder a memória (e com ela todos os conhecimentos anteriores), os movimentos e a fala.

O processo de recuperação em uma clínica especializada envolve fisioterapia e reaprendizagem de praticamente tudo: falar, andar, relacionar-se… É como uma volta à primeira infância. A competência de relacionamento com o mundo foi abrupta e radicalmente reduzida. Tudo tem de ser reaprendido. Um fisioterapeuta é seu ego auxiliar nesse momento.

Apartado da família e isolado na clínica, o personagem vai recuperando as habilidades mais básicas de relacionamento com o outro e com o mundo. Uma mudança de forma e de disposição na relação, no entanto, vai ficando clara. Agora ele interage com as situações a partir de valorizações e de afetos. A função inferior, sentimento, começa a ganhar predominância na orientação geral do comportamento. As falas do personagem passam a ser pontilhadas de “eus gostares”, de “eus quereres”, de “eus sentires”…

Já de retorno ao lar, o processo de desenvolvimento continua, agora assistido pela filha (ela o reensina a ler, por exemplo). O ponto de apoio da retomada continua sendo a função inferior e os mais próximos espantam-se com sua mudança . Uma passagem crucial é a volta ao trabalho. Ali, o personagem apoiado pela função superior, pensamento, tinha prosperado e feito carreira. Mesmo ainda não sofisticada e diferenciada, a nova orientação é perceptível. É vista na nova forma de ele tratar as pessoas. É notada na descoberta de uma omissão durante um processo (feita por seu “outro eu”), com o único intuito de ganhar a causa, na base do “os fins justificam os meios”.

Com base na nova orientação, que prioriza os valores, questiona a condução anterior do processo. Como conseqüência, passa a ser impedido de ter acesso aos arquivos da companhia. Henry, o advogado, torna-se perigoso por seguir, sem hesitação, os ditames da nova orientação. Essa inocência é uma característica da criança e de quem está integrando a função inferior. Há uma entrega sem limites à nova forma de orientação e a pessoa não consegue perceber e jogar com outras alternativas. Além de ser incapaz de mostrar o desempenho anterior, o que traz de novo põe em questão a forma de proceder da firma. Henry passa a ser ridicularizado nos bastidores.

Quando percebe sua inadequação, um momento crítico no processo de desenvolvimento, o advogado é procurado pelo seu fisioterapeuta. Eis o diálogo deles:

Henry:    Pensei que podia voltar à minha vida, mas não posso. Eu não gosto de quem eu era. Eu não me encaixo.

Fisioterapeuta:      Tenho problemas nos joelhos. Tenho joelhos ruins. Pergunte por quê.

Henry:    Por quê?

Fisioterapeuta:      Por quê? Futebol. Estraguei os joelhos jogando futebol. Cara, o futebol era a minha vida. O que mais havia? Mais nada. Entrada da área. O filho da mãe atirou uma espiral perfeita… e eu peguei. Caiu do céu. Foi o auge. Veio o bloqueio e senti os joelhos estalarem… E sabia que já era. Fim de jogo. Estava acabado. Minha vida acabara, Henry. Agora pergunte se ligo para meus joelhos.

Henry:    Você liga…

Fisioterapeuta:      Não! De jeito nenhum. Foi um teste. Tinha que me reencontrar. O fisioterapeuta que me fez andar era tão seguro. Pensei: é o que quero fazer. Quando contei, os meus colegas riram. Chamaram-me de enfermeira e tudo o mais. Mas, olhe bem. Você está andando. Está falando e bebendo cerveja da boa. Tenho algo a ver com isso. Não fosse o meu joelho e eu não o teria conhecido. Não me importo de ter joelhos ruins. Não! Vou lhe dizer algo. Não dê ouvidos a quem tenta dizer o que você é. Pode levar algum tempo, mas vai se descobrir.

Similarmente à aventura do personagem, a incorporação da função inferior implica, sempre e em certa medida, um mergulho no inconsciente. É daí que ela emerge em estado bruto, energicamente carregada, plena de frescor e de inocência. Se o abandono da  função superior é doloroso, ao mesmo tempo favorece uma renovação de vida e abre caminho para a criação do novo e para um reencontro consigo mesmo. Ao incorporar a função sentimento, Henry se renova e parte para a busca de uma vida revigorada de sentido.

O texto anterior foi retirado, com pequenas alterações, do livro Ritos de Passagem – Gerenciando pessoas para a qualidade, de José Antonio Küller, Editora Senac/SP, 1996.

Compartilhar em:

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados *

Postar Comentário

Artigos relacionados