24 de março de 2014
Dois milhões de jovens em risco
Artigo de Naercio Menezes Filho publicado no Valor Econômico

 

Segundo as estimativas do IBGE, em 2012 havia cerca de 29 milhões de jovens entre 15 a 24 anos de idade no Brasil. Dentre eles, 40% tinham terminado o ensino fundamental, 27% concluíram o ensino médio e cerca de 10% estavam na faculdade. O problema é que dois milhões desses jovens ainda não haviam concluído o primeiro ciclo do ensino fundamental com essa idade. Além disso, 630 mil jovens não chegaram a completar um ano completo de estudo, ou seja, nem mesmo a primeira série. Ou seja, em pleno século XXI, após todos os avanços que tivemos em termos de acesso à educação no Brasil, uma parcela substancial dos nossos jovens não está conseguindo avançar na escola. Quem são esses jovens? O que fazem? O que os espera no futuro?

 

Os dados mostram que 64% desses dois milhões de jovens estão no Norte/Nordeste e 36% nas demais regiões do país, sendo que 66% deles vivem em áreas urbanas. A renda familiar desses jovens é de R$ 1200 por mês, com renda familiar per capita de R$ 320 (38% da renda média do país). Ou seja, grande parte desses jovens está em famílias pobres, mas não extremamente pobres. Interessante notar que há famílias com renda mensal acima de R$ 2 mil que têm filhos que ainda não atingiram a 5ª série aos 15 anos de idade.

 

Dentre esses jovens, 63% são homens, 39% só trabalham, 20% só estudam, 12% estudam e trabalham e 29% nem estudam nem trabalham. A renda média desses jovens que estudam e que trabalham era R$ 460 e a dos que só trabalham era R$ 590. Vale lembrar que o salário mínimo em 2012 era R$ 622. Ou seja, eles trabalham para ganhar pouco.

 

O que os aguarda? Podemos prever que esses jovens enfrentarão grandes dificuldades no futuro. Somente 32% deles ainda frequentavam a escola, mas provavelmente não irão muito longe nos estudos. Os demais já haviam desistido. O salário médio de adultos com até 4 anos de escolaridade hoje em dia é R$ 788. Por outro lado, o salário médio dos adultos com ensino médio é de R$ 1300 e com ensino superior, de R$ 3 mil. Ou seja, cada um desses jovens está perdendo cerca de R$ 500 por mês pelo resto da vida por não concluir o ensino médio. A taxa de não participação no mercado de trabalho entre os adultos com pouca escolaridade é de 26%, contra 9% entre os que têm ensino superior. Isso aumenta os gastos com seguro desemprego (para os que já trabalharam) e com programas de qualificação do trabalhador.

 

O país perde muito com isso. Em primeiro lugar, porque esses jovens poderiam contribuir mais para o país, com o aumento de produtividade e talento que vem da maior educação. Além disso, sabemos que pessoas com maior escolaridade cuidam mais da saúde, do meio ambiente e votam melhor. Mais ainda, há o risco de que parte desses jovens acabe atraída para a criminalidade, tendo em vista as poucas perspectivas no mercado de trabalho e a sensação de impunidade que prevalece no país. Caso somente 1% desses jovens entrassem na criminalidade, seriam 20 mil jovens que, se cometessem um crime por semana, provocariam mais de 1 milhão de novos crimes todos os anos. Muitos desses morreriam antes de completar 30 anos. Grande parte desses custos poderiam ser evitados se conseguíssemos reter esses 2 milhões de jovens por mais tempo na escola.

 

O que podemos fazer para conseguir isso? Está claro que a política pública deve começar nos primeiros anos de vida da criança. Hoje sabemos, por meio das pesquisas em neurociências, que o desenvolvimento infantil saudável é condição necessária para o aprendizado futuro. É nos primeiros anos de vida que são desenvolvidas as habilidades cognitivas que facilitarão todo o processo de aprendizado futuro. Além disso, essas habilidades interagem com as habilidades não cognitivas, tais como estabilidade emocional, extroversão, perseverança e motivação, que são fundamentais para que os jovens permaneçam na escola, apesar das dificuldades e da baixa qualidade da escola pública brasileira.

 

Hoje em dia, o Brasil tem programas sociais muito bem sucedidos, que chegam às famílias mais pobres, como o Bolsa Família e o Saúde na Família. Pesquisas mostram que esses programas conseguiram reduzir bastante a mortalidade infantil nos municípios em que a cobertura foi maior, especialmente devido à redução dos casos de desnutrição, diarreia e infecções respiratórias1. Entretanto, é preciso ir além. Além da sobrevivência, é necessário fazer com que as crianças tenham um desenvolvimento saudável, ou seja, que suas capacidades cognitivas e não cognitivas se desenvolvam no ritmo adequado.

 

Para isso, é necessário evitar que a criança enfrente situações de estresse prolongado nos primeiros anos de vida e, mais ainda, que haja um processo de interação saudável entre as crianças e os adultos que as cercam. Isso, infelizmente, parece não estar ocorrendo em grande parte das famílias brasileiras. Assim, é necessário utilizar o cadastro social único para visitar as famílias e mensurar o que de fato está acontecendo com as crianças (através de testes cientificamente aceitos e validados) e direcioná-las para especialistas em caso de problemas. Além disso, é necessário ensinar as mães e avós a interagir de forma saudável com elas. Por fim, saneamento básico e escola pública com qualidade são indispensáveis. Esse deve ser o futuro do Bolsa-Família.

 

Vários ramos da ciência moderna têm convergido para a necessidade de concentrar os recursos públicos nos primeiros anos de vida das pessoas. Está na hora dos políticos e gestores também caminharem nessa direção.

 

1 Rasella e Paes-Souza, “Combining Conditional Cash Transfers and Primary Health Care to Reduce Childhood Mortality in Brazil’.

 

Naercio Menezes Filho é professor titular – Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras.

 

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