Em post anterior, Arquitetura Escolar e Aprendizagem Criativa, um texto que surgiu de um comentário a um artigo da série sobre Arquitetura e Educação, que vem sendo publicado pelo blog Boteco Escola, falamos sobre o dispositivo arquitetônico que configura um determinado ambiente em espaços destinados à aprendizagem.
Afirmamos que o tradicional formato em auditório é ainda predominante. Comentamos que esse uso do espaço induz uma determinada relação professor/aluno. O mestre fala, o discípulo ouve. Um ensina, os outros aprendem. Um manda, os outros obedecem. O dipositivo arquitetônico configura e induz uma relação de aprendizagem hierarquicamente definida.
Mas, o formato em auditório tem outras implicações. Ele reduz o locus das transmissões que visam a aprendizagem. Apenas do palco frontal são emitidas mensagens com um objetivo educacional intencional e consciente. Dalí, o professor, o data-show, a tela do retroprojetor, o texto escrito na lousa, ou um aluno que eventualmente ocupe aquele lugar emite mensagens com fins conscientes de ensinar.
Todo o resto do espaço, a inteligência que o habita e as múltiplas interações possíveis estão perdidos para a tarefa de educar. Mudar o espaço e o ambiente da sala de aula é uma questão de economia. É preciso potencializar o espaço da sala de aula e toda a inteligência e relações que o ocupam na tarefa de produzir aprendizagens significativas.
Usando da mesma analogia, se até hoje apenas a frente da sala é palco, é preciso transformar toda a sala de aula em palco para o drama da aprendizagem. Isso implicaria, entre outras coisas, em pensar o teto, o chão, todas as paredes, o som ambiente, a disposição do mobiliário, o que for colocado sobre móveis e carteiras, enfim tudo o que houver na sala, como potenciais meios de despertar a curiosidade, produzir desequilíbrios, facilitar e apoiar a aprendizagem…
O texto a seguir, excerto de um material já publicado por nós, mostra como, mesmo em um espaço convencional (quadrado ou retangular), é possível criar um ambiente de aprendizagem que aproveita todos os recursos disponíveis para fins conscientemente educativos.
SESSÃO I: ORGANIZAÇÃO CLÁSSICA DO TRABALHO
CENÁRIO-BASE
A Estação de Trabalho, no formato de um curso-drama será desenvolvido em uma sala-palco, que manterá durante todos os seus atos um mesmo cenário padrão. A sala-palco conterá:
1. Cadeiras universitárias ou mesinhas individuais, em número idêntico (exatamente) ao de atores participantes, incluindo os atores-coordenadores. Assim, cada carteira vazia indica uma ausência.
2. Dois suportes para álbum-seriado, com respectivas folhas (em branco) já colocadas.
3. Móveis:
- Aparador para recursos cênicos (textos, pastas, fitas de vídeo, áudio…).
- Aparador para aparelho de TV, vídeo e som.
- Aparador para retroprojetor ou data-show.
- Arquivo.
- Armário.
4. Nas paredes:
- Quadro negro.
- Quadro de avisos (grande).
- Sempre que possível: um quadro com uma mandala e outro com a imagem simbólica do velho sábio.
- Outros elementos decorativos (discriminados em cada ato).
- Projeção do poema “Profissão do Poeta”(Geir Campos. A Profissão do Poeta. In: Fernandes, Millor e Rangel, Flávio. Liberdade, Liberdade. São Paulo, L&PM, 1987, p. 22.)
PROFISSÃO DO POETA
Operário do canto, me apresento
sem marca ou cicatriz, limpas as mãos,
minha alma limpa, a face descoberta,
aberto o peito, e – expresso documento –
a palavra conforme o pensamento.
Fui chamado a cantar e para tanto
há um mar de som no búzio de meu canto.
Trabalho à noite e sem revezamentos.
Se há mais quem cante cantaremos juntos;
sem se tornar com isso menos pura,
a voz sobe uma oitava na mistura.
Não canto onde não seja a boca livre,
onde não haja ouvidos limpos
e almas afeitas a escutar sem preconceito.
Para enganar o tempo – ou distrair
criaturas já de si tão mal atentas,
não canto…
Canto apenas quando dança,
nos olhos dos que me ouvem, a esperança.
5. No chão e no centro da sala: o desenho de um grande círculo (desenhado com fita crepe, por exemplo). As cadeiras estão dispostas em torno do círculo central, com uma abertura na direção do quadro negro (semicírculo) e com espaço suficiente para que os pés dos participantes não toquem o interior do círculo.
No interior do círculo está desenhado um pequeno quadrado e, saindo do meio de cada um dos seus lados, quatro retas que dividem o círculo e o espaço total da sala em quatro partes e as cadeiras dos participantes em quatro grupos. Dentro de cada uma dessas partes, escrita em uma tarjeta ou cartolina e referindo-se a cada grupo de participantes, está colocada uma das seguintes palavras: Gerente, Técnico, Supervisor ou Operador.
6. Um vaso com flores naturais, colocado sobre um dos móveis.
7. Iluminação indireta, se possível.
O texto anterior afirma que nas paredes seriam colocados outros elementos decorativos, que seriam descritos em cada ato (aula ou unidade de estudo). A seguir, revelamos os acréscimos no cenário-base para a realização do primeiro ato. Observe que o primeiro ato trata da formação do grupo-classe. Na perspectiva do Aprendizagem Criativa e da constituição do grupo-sujeito, como já dissemos em outro lugar, esse momento é fundamental.
Modificações no Cenário-Base para o Ato I : Formação do Elenco
1. Outros elementos decorativos nas paredes: quadros, ampliações fotográficas, recortes de revistas, etc., contendo cenas diversificadas de trabalho e produção: trabalho artesanal, trabalho em fábricas, linhas de montagem operadas com trabalho humano e com robôs, trabalho em equipe, operação de fábricas automáticas…
2. Quadro negro apagado.
3. Aparelhos de som e vídeo já testados.
4. Fixados no quadro de avisos:
- Uma relação completa dos participantes.
- Um dos textos que será utilizado no drama.
- Um programa do espetáculo teatral.
- Uma frase: Ator convidado para o drama, conquiste o seu espaço!
- Um horário do espetáculo diário (início e término).
5. Sobre as cadeiras ou mesinhas individuais: programa do espetáculo teatral, cópias dos poemas: Contratados e O Relógio.
6. Música de fundo: Bolero, de Ravel.
Observem que é previsto o uso de uma música de fundo em todo o desenvolver do trabalho. Em post futuro discutiremos essa forma de usar a música para fins educacionais e suas consequências.
Para os interessados, é possível acessar o texto todo da aula clicando aqui. Alí, é possível perceber como todo o arranjo ambiental é utilizado para facilitar o desenvolvimento das situações de aprendizagem. Alguns dos símbolos (quadrado, círculo, …) que são utilizados no trabalho (ver Aprendizagem Criativa – Focalização e Simbolização) também são ali tratados.
Por fim, é importante observar que, em escolas convencionais, muita mudança precisaria ser feita no espaço e nos equipamentos disponíveis para que uma aula que usasse o cenário descrito neste post pudesse ser desenvolvida. Que arquitetura escolar daria conta do recado?