Carolina Lenoir – Porvir – 01/09/2014 – São Paulo, SP
Estudos mostram como outros países construíram e implementaram objetivos de aprendizagem para seus alunos
O Brasil não está sozinho na busca por uma solução para a questão “o que e para que estou ensinando?”, que resume a necessidade de se estabelecer um conjunto de conhecimentos e habilidades essenciais que os estudantes devem adquirir em cada etapa da educação básica. Duas pesquisas, uma do especialista Maximilano Moder, chamada Desenhos Curriculares em 16 países (Pesquisa Benchmark Internacional), e outra da doutora em política educacional Paula Louzano, Análise Internacional Comparada de Políticas Curriculares, avaliaram os processos realizados por diversos países para construir e implementar objetivos de aprendizagem e podem contribuir com lições de inspiração ou alerta para a elaboração de uma base nacional no país.
Em comum, as pesquisas concluíram que todas as nações definiram, de alguma maneira, o que os alunos precisam aprender. Em seu estudo, Moder mostra que há uma tendência de colocar os estudantes no centro da questão. “Isso quer dizer que é a aprendizagem desses alunos o foco das propostas observadas, não o ensino. O importante é o que os estudantes aprendem. Dessa forma, quando um currículo descreve atitudes, condutas ou que acontece com os estudantes quando aprendem algo, são os alunos que estão no centro”, explica o especialista.
Entre os 16 países que estão no estudo de Moder, cinco tiveram seus processos de implantação das bases nacionais curriculares analisados em profundidade: Coreia do Sul, Colômbia, Austrália, Chile e África do Sul. Desses, de acordo com o especialista, Austrália e Coreia são os exemplos mais bem sucedidos de modo geral.
Na Coreia, o currículo nacional é política de Estado e elaborado de forma conjunta entre o Ministério de Educação e o órgão autônomo KICE (Korean Institute for Curriculum and Evaluation). O currículo coreano tem como foco formar pessoas que procurem a individualidade como base do desenvolvimento de sua personalidade; mostrem a capacidade fundamental de serem criativas e explorem caminhos de desenvolvimento dentro dos largos horizontes da cultura, entre outros objetivos.
Tais diretrizes parecem ir na contramão do que se espera da Coreia, conhecida pela rigidez de seu sistema de ensino. De acordo com Moder, o país começou a traçar um caminho em que a criatividade e a formação do caráter passam a ser os eixos articuladores do desenvolvimento curricular. “O que eles dizem é que o currículo tem que apontar os eixos do desenvolvimento dos aprendizados para o século 21, em que não é o acúmulo de conhecimentos que importa, mas sim a aplicação desses conhecimentos com criatividade em diferentes situações.” Dessa forma, o currículo contempla diversos métodos, desde os mais diretos, que ensinam habilidades por meio de brainstorming e brainwriting (coletas de ideias em grupo), até os indiretos, em que o conteúdo é ensinado de forma a estimular o pensamento criativo.
A Austrália, que passa por um processo de institucionalização das políticas educativas, também conta com um órgão responsável pela implementação do currículo, o ACARA (Australian Curriculum Assessment and Report Authority). Trata-se de uma instituição autônoma com representantes de diversos setores, que também cumpre o papel de informar a sociedade sobre a qualidade da educação. O currículo nacional é a base para o desenvolvimento dos currículos estaduais e estabelece, entre outros itens, a descrição dos objetivos por ano escolar, dos conteúdos a serem ensinados pelos professores e da qualidade de aprendizagem que se espera que os estudantes desenvolvam na escola.
Além das iniciativas mais bem sucedidas, vale a pena olhar com atenção para os processos de desenvolvimento curricular como o da África do Sul, que, apesar de ainda recente, mostra que existem alternativas integradoras e que respeitam as diferenças e particularidades regionais ao mesmo tempo que servem como base de equidade educativa para todo o país.
De acordo com Moder, a África do Sul tem um currículo nacional com definições claras sobre os objetivos de desenvolvimento de competências para cada série. Um dos destaques é a definição de que a língua materna é a que encerra a cultura e as tradições próprias de cada um dos grupos existentes no país.
“Eles se esforçaram para resguardar o desenvolvimento natural da língua materna das comunidades mesmo tendo definido um currículo único. Isso é interessante, principalmente, pelo fato de que, em muitos lugares, o que ocorre é justamente o contrário, ou seja, diferencia-se saberes e competências de forma a gerar processos educativos de qualidades distintas, mas impõem-se uma língua oficial, desnaturalizando o processo de aprendizagem das minorias étnicas”, explica o especialista. Na África do Sul, o currículo é dividido em 11 línguas diferentes nos primeiros quatro anos do ensino básico, ou seja, cada comunidade ensina em sua língua materna, além de oferecer o inglês e o africâner como línguas extras. A partir de quinta série, o inverso ocorre: ensina-se integralmente o conteúdo em inglês ou africâner e a língua materna se torna uma disciplina.
Centralização x autonomia
Já a pesquisa de Paula Louzano analisou o processo de elaboração dos currículos e dos documentos curriculares nacionais de Austrália, Cuba, Chile, Estados Unidos, Finlândia, Portugal, México e Nova Zelândia. Entre os principais pontos do estudo estão a relação entre a autonomia das escolas e a centralização do Estado na decisão curricular e como essas decisões variam de acordo com a organização política do país (Estado unitário ou federativo), tamanho e/ou diversidade cultural.
Nas conclusões da pesquisa, Paula explica que nenhum país outorga à escola autonomia total com respeito ao que ensinar. Porém, poucos prescrevem centralmente em seus documentos como os professores devem ensinar. “Os Estados desenvolvidos tendem a não especificar o como ensinar, pela questão da autonomia docente ser mais forte. Em países em desenvolvimento, há um discurso mais geral de que, por conta de uma formação inicial insuficiente dos professores, é preciso dar mais apoio em relação a como ensinar, mas isso não pode ser generalizado e cada caso deve ser avaliado individualmente”, afirma.
Segundo Paula, em relação ao processo de formação de uma base comum, a Austrália, um país federativo que dá autonomia aos entes federados, guarda algumas particularidades com o que pode vir a acontecer com o Brasil, como o fato de ter havido uma resistência de parte da comunidade acadêmica à criação de um currículo nacional e os desafios de se contemplar os aspectos regionais de um país rico em diversidade cultural.
“Já em relação ao modelo e estrutura curriculares, o Brasil pode ter uma visão mais próxima à finlandesa no que se refere à autonomia dos professores no como ensinar. Não acho que caiba no nosso contexto educacional algo como o realizado em Cuba, que define o que e como. O modelo da Finlândia não estabelece a totalidade e sim parte do que tem que ser ensinado. A outra parte é decidida no nível local. É isso que temos proposto para o debate no Brasil.”
Debate no Brasil
Um passo importante na discussão sobre a elaboração de uma base nacional comum foi dado, na última semana, a partir de uma consulta aos estados e municípios sobre o assunto. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), foi enviado um comunicado aos secretários de Educação dos estados e do Distrito Federal, além das representações estaduais da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). A partir dos dados a serem coletados por meio do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec) do MEC, será produzido um estudo que vai fomentar o debate em torno do tema. Além disso, a Diretoria de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica (SEB) tem realizando encontros com especialistas de universidades e professores da educação básica para contribuir com as discussões